Carta de Agripa Vasconcelos escrita ao seu editor das Sagas no País das Gerais:
Recife, 04 de abril de 1966
Eu, Agripa, seu escravo, lhe envio muito saudar. Recebi o Gongo-Soco com a vestimenta de gala de Joaquina e Beja. Muito bonito. Você é o editor mais caprichoso do Brasil e fico honrado pela beleza da edição. Creio que a vendagem vai ser grande, dependendo de propaganda. Acabo de terminar Chico Rei que ficou com trezentas páginas e foi o mais trabalhoso de todos. Não fiz coisa bizantina mas tudo chão como o assunto exigia. O livro tem muitas palavras africanas das línguas Bunda e Conguêsa, inclusive cantos africanos que eu mesmo traduzi, em verso livre, para o Português, para maior compreensão. Fiz tudo para me adaptar ao assunto sem floreio e às vezes a coisa saiu bastante crua. Chico foi um iluminado místico e creio que descobri nele o primeiro e o maior libertador de escravos, de Minas, do Brasil e da América. Sendo um homem que vivia para os outros não teve tempo para luxos, exceto nas vestimentas reais dos dias de gala. Descobri entre os seus companheiros vindos de lá um afamado médico do Congo que o tratou, associado a um médico português, na doença final. Nos nossos Estudos descobri que ele tem descendentes em Ouro Preto/MG que falam muita bobagem mas não dão notícia exata de seu chefe Rei. Depois de terminado o livro vi que ele tem algum valor por ser exato e bem deduzido. O Neil vai gostar, embora seja um pouco ávaro em referência a meus livros. Estou datilografando a coisa e qualquer dia chega aí o negro velho. Chega com as “Memórias de um Barbeiro Sangrador”, o bruto como você chama.
Tenho trabalhado muito e às vezes sai da minha cabeça alguma fagulha que pode ser captada por outra cabeça mesmo que seja um pouco dura.
Já mandei entregar a imagem que Henriqueta manda para o Edison. Ainda estou atrapalhado com o joelho, não podendo sair de casa mas para o fim deste e começo de maio estarei aí para ver suas vitrinas.
Com um abraço do velho amigo agradecido,
Agripa
2 comentários:
Bem bacana ter acesso aos bastidores da literatura.
Até em uma simples carta a narrativa de Agripa me emociona.
Grande abraço.
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